As mulheres já vencem num mundo de homens

 

 

O vinho português está conquistando crescente notoriedade no mundo. Não só pelo aumento das exportações - pelo sexto ano consecutivo, as vendas de vinho ao exterior cresceram e atingiram quase 740 milhões de euros, mas pela atenção que a crítica e as revistas da especialidade concedem a Portugal. Não é, por acaso, que a "bíblia dos vinhos", a revista norte-americana Wine Spectator, dedicou a sua edição de agosto de 2015 a Portugal, destacando que "o confronto entre a tradição e a modernidade, no meio de uma incrível variedade de castas, de terroirs e de culturas de vinificação, torna Portugal um dos produtores de vinho mais dinâmicos no mundo de hoje".

O mercado está cada vez mais de olho nas mulheres, produzindo vinhos que vão ao encontro dos seus gostos e sensibilidade. Mas há uma ironia nesta dinâmica: muitos dos vinhos que enchem as gôndolas das lojas ou das grandes cadeias de distribuição já são feitos por mulheres. Elas ainda não dominam o negócio, mas também já não estão remetidas ao seu papel mitológico de bacantes, nem fechadas apenas nas paredes de um laboratório.

Há menos de duas décadas, encontrar 10 enólogas em Portugal para uma reportagem sobre a presença das mulheres no mundo do vinho era quase uma utopia. Hoje, já somos obrigados a delimitar o grupo e a deixar muita gente de fora. Para este retrato do vinho no feminino escolhemos 10 enólogas com influência no setor, mas podíamos selecionar muitas mais. De norte a sul do país, da Madeira aos Açores, há dezenas e dezenas de mulheres produzindo vinho. Muitas não são conhecidas, vivendo subordinadas à figura tutelar do enólogo consultor, mas há cada vez mais estão assumindo as tarefas de anólogas em suas quintas.

 

A história do vinho está cheia de figuras femininas lendárias. Em Portugal, nenhuma se aproximou do protagonismo que atingiu Dona Antónia Ferreira, "A Ferreirinha", no século XIX. Foi uma pioneira, não só por ter assumido a liderança do negócio das vinhas e do vinho da família, mas também por ter sido bem sucedida. Algumas das quintas mais importantes do Douro atual, como o Vallado e o Vale Meão, são um legado seu.

As "Ferreirinhas" de hoje são Leonor Freitas, que dirige a Casa Ermelinda de Freitas (Terras do Sado), Ana Cristina Ventura, a proprietária da Herdade dos Cadouços (Tejo), Catarina Vieira, a líder da Herdade do Rocim, Luísa Amorim, a responsável pelos negócios do vinho no Douro da família Amorim (Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo), e Laura Regueiro, a matriarca da duriense Quinta da Casa Amarela. Não são as únicas, há muitas mais. Se descermos da administração para a adega, aí o panorama é outro. No espaço sagrado do vinho, ainda dominado por homens, há um acento cada vez mais feminino.

 

 

Graça Gonçalves, enóloga da Quinta do Monte d'Oiro, não atribui um significado especial ao fenómeno. "Há mais mulheres no mundo do vinho como há em todas as outras profissões. Antes não víamos mulheres na tropa, agora vemos. Antes não havia mulheres a conduzir autocarros, agora há", diz. Graça fala de uma conquista da democracia. "Hoje as coisas acontecem mais naturalmente. Antes, só estavam no vinho as filhas ou as mulheres dos proprietários. Os homens só queriam as mulheres para os laboratórios, para estarem ali paradinhas. A minha geração [tem 42 anos] ainda sentiu isso na pele", diz. Ela própria viveu uma experiência que espelha bem a estigmatização da mulher enóloga

 

Filipa Tomás da Costa, a diretora de enologia da Bacalhôa e decano das enólogas portuguesas, acha que as mulheres do vinho estão fazendo o mesmo percurso e sentindo as "mesmas dificuldades que todas as mulheres sentem quando exercem profissões antes reservadas apenas aos homens". "A Europa ainda é um mundo de homens", sustenta.

 

Filha do embaixador da uva Baga, Luís Pato, a portuguesa Filipa Pato decidiu que aos 20 e poucos anos queria seguir a profissão do pai. Recebeu um sonoro ‘agora não’ e a missão de trilhar o próprio caminho se quisesse se tornar uma especialista no mundo do vinho. Formada em química, buscou nos quatro cantos do mundo maneiras de vinificação que poderiam se encaixar no seu estilo de produzir vinho.

Aos poucos, conseguiu se tornar uma das referências quando se olha para o futuro da viticultura portuguesa. Os rótulos que levam seu nome são premiados e têm notas que passam dos 90 pontos nos principais rankings pelo mundo. No universo de vinhos portugueses onde o uso de mais de um tipo de uva é comum, sua família sempre apostou na Baga. Ela herdou do pai inclusive a paixão pela uva. Brinca que quando criança o pai lhe deva o vinho na mamadeira.

Para ela, a Baga é a varietal que consegue expressar melhor a região da Bairrada, onde trabalha. “São vinhos sem maquiagem e equilibrados. Dependendo muito do vinhedo podem ter vinhas que dão mais notas de fruta vermelha, outras puxam mais para o musgo, na trufa, na folha de tabaco”, explica.

Em 2010 lançou, ao lado do marido, o projeto chamado Vinhos Loucos, em que pode experimentar a vinificação ao extremo, com oxidação de seis anos, por exemplo. O primeiro rótulo chama Bossa (esgotado), em uma homenagem ao Brasil, um dos principais mercados dos vinhos Filipa Pato, com uma venda de aproximadamente 18 mil litros por ano, 15% da produção.

 

Joana Santiago é o rosto da Quinta de Santiago. Advogada, que  divide a vida entre Ovar, onde reside, e Monção, onde se situa a Quinta de Santiago, propriedade da família desde 1899. Temendo pelo legado, a avó Mariazinha desafiou o filho e a neta, Joana, a dedicarem-se à produção de vinho. Até então as uvas da propriedade eram vendidas a produtores na região.

O primeiro vinho chegou ao mercado em 2013 com apenas seis mil garrafas. Em 2015, e já com três gamas de produtos diferentes (ao Quinta de Santiago Colheita juntaram-se o Reserva e o Rosé, que chega neste ano às prateleiras), já foram cerca de 20 mil as garrafas produzidas. Em estudo está o lançamento de um espumante. Desde o arranque do projeto, e incluindo os gastos na renovação da vinha, mas também na construção da nova adega e em equipamentos, a família já investiu mais de 750 mil euros. No ano passado faturaram 170 mil euros. Neste ano vão investir mais 50 mil na plantação de um hectare de vinha. Têm 6,5 hectares, para já. Alemanha, Suíça, Inglaterra e Canadá são os principais mercados externos.

 

Sandra Tavares da Silva filha de um Oficial da Marinha e Mãe suíça, nasceu nos Açores e cresceu na região de Lisboa. Trouxe sempre consigo as recordações dos tempos em que pisava as uvas nos lagares do seu avô, em Alcochete, passado que explica a sua ligação a esta área.

Escolheu estudar Agronomia em Lisboa. Mais tarde tirou o Mestrado em Itália, onde aprofundou os seus estudos em enologia e desenvolveu um extenso conhecimento sobre vinhos internacionais de qualidade.

Em 1999... Chegou ao Douro e começou a trabalhar com Cristiano van Zeller na Quinta Vale D. Maria Assumiu o projecto dos vinhos da família na Quinta de Chocapalha, na região de Lisboa.

Em 2001... Casa com Jorge Serôdio Borges e juntos embarcam na sua própria aventura vínica, criando uma nova empresa - a Wine & Soul - e lançando o primeiro Pintas.

Hoje os vinhos da Wine & Soul são fruto do trabalho dedicado e da paixão que esta emblemática dupla tem pela região do Douro.