As Novidades da Região do Vinho Verde

Na temporada mais propícia, boas surpresas chegam de Portugal

 

As vinhas Anselmo Mendes, Melgaço

 

Triste sina já padeceu o vinho verde. Xodó das exportações portuguesas, costumava alicerçar o marketing de marcas manjadíssimas no expediente duvidoso de gaseificar o líquido antes do engarrafamento – com aquele exagero borbulhante que contemplava o paladar mais tosco e que fazia dele um parente mais próximo de um medíocre liebefraumilch do que de um aromático riesling.

Um elenco de produtores de não muitos hectares, mas bastante respeito ao terroir, vem revitalizando vinhedos às vezes centenários com o propósito comum de extirpar a má fama do vinho verde.

A começar pela própria designação – vinho verde – que, ainda que tenha a ver com o frescor frutado, teor alcoólico baixo e a acidez macia que combina com o verão e com comidas em que imperem as delícias do mar, não é exatamente do tipo que se poderia chamar, à francesa, de nouveau – como aquele beaujolais desprovido de personalidade.

Vinho verde, em Portugal, designa uma região – não uma índole específica, ou uma peculiaridade sazonal.

A revolução, no verde, é branca – quer dizer, acontece nos vinhos brancos, escorados no potencial de castas locais, autóctones, com o alvarinho na linha de frente, mesmo quando em assemblage com outras uvas, e embalados pelo saber tecnológico de uma geração de enólogos amparados por investidores voltados, até a crise de 2008, para as finanças e a especulação imobiliária.

É agora um Portugal em estilo back to basics. O campo, a lavoura, o turismo rural, o azeite, o pão, o vinho, em figurino contemporâneo, sinalizaram uma saída bem honrosa para a recessão.

 

A Quinta da Lixa,

 

É o Minho, no extremo noroeste de Portugal, a região do vinho verde, estendendo-se da fronteira com a Espanha galega até as vizinhanças do Porto e do Rio Douro, e do litoral setentrional de Viana do Castelo e de Póvoa de Varzim aos sopés do Parque Nacional da Peneda-Gerês ­– ali onde o passado se faz presente, no magnífico patrimônio arquitetônico de cidades como Braga, fundada pelos romanos, Amarante, debruçada sobre o Rio Tâmega, de orgulhosa memória na resistência à invasão napoleônica, e Guimarães, com seu centro histórico tombado pela Unesco.  

Como seu vinho, o Minho é fundamentalmente verde, cenário que alterna matas e vinhedos, sítios arqueológicos, minúsculas aldeias empedradas e trilhas que serpenteiam as colinas como aquela que, a partir da Quinta do Fijó, perto de Arcos de Valdevez, pode conduzir, em seis dias de cavalgada, até Santiago de Compostela, alternativa equestre ao circuito místico tradicional. Este é o Portugal que vale a pena, por prazeres nos quais o requinte se exprime com naturalidade, sem afetação.

É o caso, por exemplo, da experiência vinícola – que ele chama de “expressões” – empreendida nas encostas do Rio Minho, na fronteira galega, por um enólogo de fama que já palmilhou uma dezena de outros terroirs, do Douro ao Alentejo, na Argentina e até no Brasil (é sócio da Quinta das Neves, na Serra de Santa Catarina).

O premiadíssimo Anselmo Mendes retornou em 1998 à cidade natal de Monção com o desafio afetivo de conferir prestígio e novidade aos vinhos locais. 

Sua produção é pequena (400 mil garrafas) e, por isso mesmo, valorizada. Anselmo inova na casta icônica do alvarinho (o rótulo clássico Muros Antigos exprime ao pé da letra o território de terraços graníticos impregnados pelo perfume das camélias), mas também aposta em castas típicas que conferem à designação genérica do vinho verde uma diversidade surpreendente de sabores.

 

Contribui igualmente o envelhecimento em barricas de carvalho, como faz Anselmo Mendes – recurso recente, na região, e adotado com parcimônia de tempo, para não descaracterizar o vinho verde.

A alvarinho é uma uva de baga pequena e sólida, um tanto rústica de caráter, mas que não é difícil de trato, tem boa acidez e não oxida com facilidade na adega. Menos disseminada (se dá melhor nas proximidades do litoral), mas tão tradicional quanto o alvarinho, é a loureiro, que dá mais trabalho na vinha, mas, dona de níveis de acidez mais altos, traz à boca uma notável intensidade aromática.

A trajadura, por sua vez, mais frutada, menos ácida, costuma socorrer os enólogos em blends de maior complexidade – só muito ocasionalmente numa varietal só sua. Já a uva avesso é o que diz o nome: mais difícil de lidar, de mineralidade extrema, produz um vinho de cor intensa e paladar encorpado. 

É uma promessa, a avesso, que já ganhou status de prima-dona na Quinta da Covela, a apenas 12 quilômetros do vertiginoso cânion do Rio Douro, no limite com aquela que é a mais prestigiosa região vinícola de Portugal.

Em meio a marcas íntimas do mercado brasileiro, tais como Aveleda, Brejoeira, Quinta da Lixa, Carapeços, Quinta da Calçada, Paço de Palmeira, Paço do Teixeró ou Santa Catarina, a experiência recente da Covela é radicalmente não convencional.

A começar pelo dono, o inglês Tony Smith, que em 2011 trocou um emprego na Condé Nest no Brasil e longa trajetória jornalística pelo direito de seguir o seu sonho numa propriedade praticamente abandonada que inspirara o clássico A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós.

 

O Paço do Palmeira, Braga

 

 

Tony Smith herdou vinhedos onde imperavam castas não locais, o merlot, os cabernets, o chardonnay, a touriga nacional, mas pouco a pouco vai substituindo-os, sem dor no coração. 

O sócio dele é o brasileiro Marcelo Lima, empresário múltiplo, da moda (Le Lis Blanc) à refrigeração (Metalfrio). A dupla comprou nova propriedade – a Quinta da Boavista – na região demarcada do Douro, mas na Covela Tony Smith e seu enólogo, Rui Cunha, prometem obedecer à heterodoxia regional.

Só não hão de chegar ao exagero de enveredar pelos tintos verdes, ainda de forte apelo popular, e que, rascantes, carnosos, parecem ser feitos para mastigar, não para degustar.